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Quem diz biometria, não diz manipulação


por Jairo Nicolau*

A exclusão de 3,3 milhões de eleitores após o recadastramento biométrico feito até os primeiros meses desse ano deu margem a uma série de interpretações. Uma delas sustenta que como um grande número de títulos excluídos concentra-se no Nordeste, o candidato do PT a presidência poderia ser o grande perdedor, já que o partido tem tido, desde 2016, grande votação na região.

Existe duas formas de o eleitor fazer o recadastramento biométrico. A primeira é ir espontaneamente até a o cartório eleitoral e recadastrar o título. A segunda é quando o Tribunal Regional Eleitoral convoca todos os eleitores de um município para a revisão do eleitorado. Nesse caso, é estabelecido um prazo para que todos os eleitores se recadastrarem. Quem não comparece é retirado da listagem.

Conversei longamente com um técnico do TRE do Paraná, que é também estudioso das eleições no Brasil, Daniel Galuch Junior. Ele esteve ativamente envolvido no processo de recadastramento biométrico de seu estado. Segundo sua explicação, o processo biométrico garante que se faça uma depuração do cadastro de eleitores.

A principal razão para eliminação dos eleitores estaria associada à mudança do domicilio eleitoral. São poucos os eleitores residentes nos municípios em revisão que não atendem ao chamado da Justiça Eleitoral. Identificou-se em muitos casos que o cidadão muda de cidade, não transfere o título e acaba criando o hábito de justificar o voto. No momento do recadastramento ele não comparece e é retirado da listagem. Por outro lado, novos moradores de uma determinada cidade aproveitam a oportunidade para transferir o título e, por consequência, ter o recolhimento de suas informações biométricas.

Portanto, cidades que perdem muitos moradores por conta de imigração tenderiam a perder eleitores após o recadastramento. Talvez essa seja uma boa hipótese para explicar a alta taxa de nordestinos excluídos após a revisão.

Uma segunda razão é que o alistamento e o voto não são obrigatórios para os que têm mais de 70 anos e para os analfabetos. Um contingente expressivo de eleitores idosos e analfabetos simplesmente não comparece para fazer a revisão eleitoral com identificação biométrica. Por fim, existe um número residual de eleitores que morreram e não foram retirados do cadastro, ou estavam doentes à época do recadastramento.

Em algumas cidades, sobretudo as grandes, a Justiça Eleitoral pode ter dado um prazo exíguo para o alistamento. As famosas fotos das filas de recadastramento em Salvador mostraram que houve um erro na logística do alistamento eleitoral na cidade. Foram muitos os relatos de cidadãos não teriam conseguido se recadastrar a tempo.

Em resumo, existiriam três razões para o eleitor ser retirado do cadastro: 1) ação deliberada (mora fora do município, é analfabeto, tem mais de 70 anos, ou simplesmente não quer mais ser mais eleitor); 2) morte ou doença; 3) erro da Justiça Eleitoral ao estabelecer um prazo muito exíguo para que os eleitores se apresentem. É impossível saber com precisão qual é o volume de cada um desses fatores. O fato é que esse último talvez tenha recebido uma atenção desproporcional nos últimos dias.

Será que os eleitores de algum estado realmente foram prejudicados pelo recadastramento a ponto de afetar os resultados da disputa presidencial? A resposta pode ser encontrada se compararmos o eleitorado de cada estado na eleição passada com o inscrito para votar em 2018.

A tabela abaixo mostra o percentual de eleitores residente em cada estado comparativamente ao eleitorado total do país em 2018 e 2014. A quarta coluna mostra a diferença entre os dois percentuais. Na maioria dos estados o percentual é o mesmo, com pequenas mudanças nos decimais de alguns estados. A Bahia, estado com maior volume de eleitores eliminados no recadastramento biométrico, tinha 7,1% em 2014 e manteve o mesmo percentual em 2018.

Tabela: Percentual do eleitorado de cada estado em relação ao eleitorado total do Brasil, 2018 e 2014

Como o recadastramento aconteceu em todo o país, o mais provável é que as eliminações em um território tenham sido compensadas em outros. Eleitores que não moravam mais em Salvador, por exemplo, acabaram tirando o título em outra cidade; já os novos moradores da cidade teriam se registrado como eleitores soteropolitanos.

De qualquer modo, a tabela ajuda a eliminar mais uma teoria sem fundamento, numa eleição marcada por tanta desinformação: nenhum estado do Nordeste perdeu eleitores comparativamente ao que tinha em 2014. Por isso, nenhum candidato será particularmente punido por conta do novo sistema de identificação eleitoral.

* Jairo Nicolau é professor de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

 

Texto publicado originalmente no Observatório das Eleições, projeto do Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação, que teve como objetivo produzir análises acerca de múltiplos temas relativos ao processo eleitoral de 2018. O Observatório é fruto de cooperação entre cientistas políticos e instituições de pesquisa de renome como UFMG, UNICAMP, IESP/UERJ e UnB.

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