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Legitimidade democrática e urna eletrônica: aperte a tecla verde, CONFIRMA


por Fernando Neisser e Marjorie Marona

Foto: Agência TSE

A recente declaração do candidato do PSL à presidência da República, Jair Bolsonaro, lançando dúvidas sobre a legitimidade do pleito eleitoral com base em supostas fragilidades do sistema eletrônico de votação (urna eletrônica) não pode ser considerada uma manifestação isolada e tampouco reduzida em seu propósito, como tentou fazer, dias depois, o candidato a vice em sua chapa, General Mourão.

Esse tema tem sido recorrente nas declarações do presidenciável, que já havia mobilizado elementos comparativos para suportar sua tese de que a votação e a apuração completamente eletrônicas são um sinal claro da fragilidade do sistema adotado pelo Brasil, pois uma jabuticaba.

Vale lembrar que foi de sua autoria a proposta de retorno do voto impresso, que emplacou com a mini-reforma política de 2015 (art. 2º da Lei 13165/15), mas que, tendo sido contestado pela PGR (ADI 5889) acabou sendo derrubada pelo STF com amplo placar favorável (8x2) - derrotada a dupla Gilmar/Toffoli - para as eleições de 2018. Bolsonaro não perdeu a oportunidade de se manifestar em nenhuma das oportunidades: colocou sob suspeição à iniciativa da PGR e disparou contra o Supremo, com o acolhimento da cautelar.

Mas ele não está sozinho. O ex-senador Aécio Neves, derrotado nas eleições presidenciais de 2014, mobilizou argumento semelhante para questionar o resultado eleitoral. Se, do ponto de vista jurídico, estava respaldado o candidato do PSDB à época, do ponto de vista político a estratégia pode ter pesado negativamente sobre a atual candidatura tucana à presidência, como recentemente reconheceu Tasso Jereissati, em entrevista ao Estadão (13/09), mas, principalmente, lançou às bases para aventuras pouco afetas ao jogo democrático.

Convém, portanto, retomar alguns pontos importantes em relação ao sistema eletrônico de votação e apuração de votos adotado no Brasil.

Um remédio contra a fraude e a morosidade

A votação apenas em papel é a mais suscetível a fraudes, especialmente no momento da contagem e contabilização dos votos, pois depende, fundamentalmente, da atuação da junta apuradora. A votação eletrônica não apenas elimina os riscos associados ao subjetivismo, como permite a contabilização em pouco tempo, chegando aos resultados finais em poucas horas. Evita-se, com isso, que o clima de tensão social que qualquer eleição produz se agrave, dando mais segurança a todos.

Segurança dos dados

A urna eletrônica não tem qualquer conexão com a internet. A urna nada mais é do que um teclado que computa votos e os armazena em um módulo específico. Sua programação é extremamente simples. Um hacker não consegue “invadir” a urna assim como não consegue invadir minha calculadora de mesa, já que ambas são desconectadas da rede.

O programa da urna é preparado pelo TSE, alimentado com as candidaturas que foram requeridas e deferidas, depois as urnas são carregadas com o programa e lacradas – fisicamente -, aguardando o dia da votação.

A elaboração desse programa passa por constantes auditorias e testes de segurança: no ano anterior à cada eleição, o TSE promove um teste aberto à comunidade científica, para que tentem burlar os sistemas de segurança. Nestes testes, eventuais falhas são apontadas e corrigidas.

Mas é importante frisar que nunca, em nenhum teste, conseguiu-se alterar um único voto! Até aqui, as falhas identificadas limitaram-se a questões secundárias, sem colocar em risco o sigilo do eleitor ou o voto dado. Ademais, antes do carregamento, faculta-se a todos os partidos, Ministério Público e OAB a analise do programa, em busca de eventuais falhas e nunca houve qualquer apontamento de alteração.

Mais, as urnas são lacradas fisicamente, o que significa que há uma série de selos assinados que, se rompidos, mostram ter havido alguma tentativa de adulteração. Além disso, tanto o programa da urna quanto seu hardware são dotados de dispositivos de segurança que, caso alguma peça seja removida ou alterada, alertam para a mudança.

Assim que a urna é ligada – e seu programa só permite que ela seja ligada no dia da votação e no horário correto -, ela imprime a chamada zerézima, que é um relatório indicando que não há qualquer voto em seu registro. Todos os fiscais partidários que acompanham a seção eleitoral podem analisar o documento ou requere-lo para posterior verificação.

Existe ainda um procedimento de “auditoria” da urna para saber que ela realmente está atribuindo os votos dados apenas aos candidatos que o eleitor quer escolher chamado de “votação paralela”. Depois de carregadas as urnas e prontas para serem encaminhadas – com auxílio e proteção de força policial – para os locais de votação, em cada estado são sorteadas algumas urnas “extras” para este procedimento de verificação, que são colocadas nas sedes dos TREs ou nas Zonas Eleitorais e usadas apenas para a fiscalização.

A “votação paralela” é um processo aberto, pelo qual qualquer pessoa que esteja no local – jornalistas, membros do MP, cidadãos em geral, etc. – pode participar. Sob a orientação para votar em determinado candidato, o/a voluntário/a se dirige à urna de forma aberta e faze a votação sob vigilância. Ao final, com a votação encerrada, extrai-se o boletim da urna e verifica-se se os votos que deveriam estar na urna – já que todos viram os votos sendo dados – lá estão. E se não há algum voto que não deveria lá estar.

Nunca, em muitos anos de votação paralela, houve um único voto que tenha se desviado do esperado! Pela relevância estatística deste argumento, é possível afirmar que, efetivamente, não há fraude no programa da urna.

Voto impresso: um retrocesso

Quem já manejou um computador sabe qual é a parte que mais dá problema: a impressora. Por se tratar de um equipamento com peças móveis e funcionamento mecânico, seus erros são mais constantes do que com equipamentos eminentemente eletrônicos. O papel engasga, a tinta acaba, a impressão sai ilegível.

O voto impresso, conforme aprovado, seria lançado automaticamente dentro de uma caixa de acrílico, indo direto para uma urna física. E quando der problema na impressora? Paralisa-se a votação? Abre-se no meio do dia a urna e tem-se acesso aos votos de quem já votou?

Além disso, quanto mais simples um equipamento, melhor ele cumpre sua função. Quando se adiciona uma impressora à urna, altera-se sua configuração e abre-se caminho para o ingresso de contaminações externas. Impressoras são excepcionais caminhos para entrada de vírus, na medida em que implicam uma porta de acesso físico à urna.

Sigilo

Outra questão é ainda mais grave: com o sistema atual é impossível desmembrar o voto do eleitor. Ou seja, cada voto, em uma eleição geral, para deputado estadual, deputado federal, senador, governador e presidente, por exemplo, é gravado em uma parte do disco sólido da urna eletrônica. Não há, desta forma, como saber a combinação exata de candidatos que cada eleitor escolheu. Isso o protege e garante o sigilo de seu voto.

Por outro lado, se houver a impressão, existirá um papel, que obviamente poderá ser acessado posteriormente pelos candidatos que queiram “verificar” a regularidade das eleições, no qual constará as combinações dadas pelos eleitores de uma determinada seção eleitoral. O voto impresso piora a segurança da urna, ao invés de melhorá-la.

Jabuticaba

Cada país é um país e seu sistema de votação tem que responder às demandas específicas da sua população e, mais importante, tentar evitar as fraudes mais costumeiras que ali ocorrem. Na Alemanha, por exemplo, nem mesmo há registro de eleitores; cada cidadão vota onde quiser, apenas mostrando seu documento de identidade. Em tese qualquer eleitor poderia votar cinco, dez, quinze vezes; bastaria ir passando em locais diferentes de votação. A questão é que isso não é um problema na Alemanha, pois este tipo de fraude é praticamente inexistente. Não vale a pena lá, portanto, criar um sistema caro de segurança, para algo que é residual.

No Brasil, os problemas relacionados à fraude estão comumente vinculados à compra de votos e à coação do eleitor. Precisamos, portanto, de um sistema que evite, a todo custo, que o eleitor sofra pressão ao votar: ele tem que saber que seu voto não poderá ser identificado em nenhuma hipótese. Por isso não cogitamos, por exemplo, o voto à distância, seja pelo correio ou por celular.

Simplesmente porque não poderíamos garantir que quem preencheria aquela cédula ou daria o voto pelo celular seria o eleitor, sozinho, com a tranquilidade de que não está sendo vigiado ou forçado a nada.

Na nossa realidade, portanto, a impressão do voto representa, efetivamente, um retrocesso.

TSE

É fato que o TSE demorou muito para perceber que é imprescindível manter a confiança no sistema de votação. As gestões Toffoli, Gilmar Mendes e Fux, nos últimos anos, deram relevância ao tema.

Responsabilidade democrática

São muitas questões técnicas e, por isso, é compreensível que os cidadãos em geral não tenham intimidade com boa parte delas. Por isso também é responsabilidade das candidaturas manter o tom democrático das críticas. Até hoje nunca existiu uma falha detectada no sistema de votação, totalização e apuração da Justiça Eleitoral. A comparação entre os boletins de urna e os valores totalizados jamais mostrou discrepância. As votações paralelas em urnas selecionadas aleatoriamente, jamais apontaram erro.

O questionamento do resultado das eleições presidenciais de 2014 que espalhou pelo Brasil a sensação de que o voto impresso melhoraria a segurança do sistema, volta, agora, em 2018, em um momento em que a democracia brasileira está na encruzilhada.

Avante

Que saibamos espalhar informação e combater os boatos infundados. Evidentemente que o nosso sistema admite melhorias. No caso das urnas eletrônicas, por exemplo, a identificação biométrica – com impressão digital -, quando concluída, tende a praticamente zerar as fraudes daqueles que votam em lugar de outra pessoa. O importante aqui é que as soluções devem ser pensadas de acordo com o quanto efetivamente acrescentam de segurança, vis a vis seu custo. Nas eleições, aperte a tecla verde CONFIRMA!

 

Texto publicado originalmente no Observatório das Eleições, projeto do Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação, que teve como objetivo produzir análises acerca de múltiplos temas relativos ao processo eleitoral de 2018. O Observatório é fruto de cooperação entre cientistas políticos e instituições de pesquisa de renome como UFMG, UNICAMP, IESP/UERJ e UnB.

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