“Fake News”: os brasileiros acreditam?
Marisa von Bülow [1]
Max Stabile
A pesquisa “A Cara da Democracia no Brasil” incluiu, de forma inédita nas tradicionais pesquisas de opinião pública no Brasil, uma série de perguntas sobre notícias falsas – as chamadas “fake news”. Notícias falsas são aquelas produzidas de forma intencionalmente mentirosa (Allcott e Gentzkow 2017). Esta definição exclui rumores, fofocas, ou opiniões, focando especificamente na produção de mentiras que têm como objetivo manipular e distorcer os debates políticos, disfarçando-as de notícias. Apesar da importância crescente do fenômeno e da presença cotidiana e crescente do tema na mídia, os dados da pesquisa mostram que é apenas uma minoria de brasileiros que admite receber notícias falsas sobre política.
Esse resultado é preocupante porque, apesar de não termos dados confiáveis sobre a quantidade de notícias falsas em veiculação, sabemos que tornou-se parte do dia-a-dia do embate político.
A veiculação de notícias falsas sobre política não é, claro, um fenômeno novo. É tão antigo quanto antigas são as estratégias de difamação e manipulação políticas. No entanto, vem ganhando maior importância por causa da rapidez de criação e propagação das notícias falsas a partir do uso de novas tecnologias digitais. Ao contrário do que acontece com noticiários de revistas, jornais e televisão, o conteúdo de boa parte das notícias veiculadas pela Internet não passa por editoração ou filtro. E uma notícia produzida por um indivíduo ou por uma página pode ter tanto alcance quanto notícias veiculadas por meios de comunicação tradicionais, ainda que essa não seja a regra. Tornou-se fácil criar supostos portais autointitulados de “noticiosos”, cujo conteúdo é rapidamente compartilhado por usuários de mídias sociais. A ampliação do acesso à Internet no Brasil – que hoje supera 60% da população brasileira – também significa ampliação do acesso a notícias falsas.
Em contextos eleitorais, o tema ganha ainda maior relevância, devido a seus impactos distorcivos no debate político e, portanto, na construção de preferências eleitorais. Um estudo recente sobre a eleição presidencial dos Estados Unidos de 2016 estima que um de cada quatro americanos acessou portais produtores de notícias falsas (Guess et al 2018). Talvez o exemplo mais conhecido seja o da página “wtoe5news.com”, que divulgou a notícia de que o Papa Francisco tinha apoiado a candidatura de Trump, notícia compartilhada mais de um milhão de vezes no Facebook (Allcott e Gentzkow 2017: 214). Outro estudo sobre o caso americano aponta que as notícias falsas mais populares tiveram maior quantidade de compartilhamentos no Facebook do que as notícias mais populares dos meios de comunicação tradicionais (Silverman 2016).
No Brasil, as pesquisas sobre o assunto são incipientes. No entanto, casos recentes, como o do assassinato de Marielle Franco, mostram como a disseminação de notícias falsas tornou-se prática comum e como o significado de eventos políticos importantes tem sido disputado em batalhas de narrativas nas quais argumentos são baseados em mentiras intencionalmente fabricadas. Análise produzida pela Fundação Getúlio Vargas, com base em dados sobre uso de mídias sociais nas eleições de 2014, durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff, nas eleições municipais de 2016 e na greve geral de 2017 mostram o uso orquestrado de redes de robôs para manipular os debates virtuais (FGV/DAPP 2017). Como a pesquisa aponta, os perfis automatizados distorcem o debate de várias maneiras, sendo uma das mais relevantes a propagação de notícias falsas.
Apesar dessas evidências, apenas 23,9% dos entrevistados da pesquisa “A Cara da Democracia” afirmaram que recebem notícias sobre política que desconfiam que
sejam falsas.
Esse número sobe para 45,7% se considerarmos as respostas daqueles que declararam usar plataformas de redes sociais da Internet para informar-se sobre política (ver gráfico 2). Apesar do aumento, consideramos o número baixo. É evidência de que o fenômeno das notícias falsas ainda não é percebido como tal por uma parte importante da população, que tenderia a acreditar nessas notícias.
A Ideologia Importa
Como varia a percepção de recebimento de notícias falsas entre os participantes da Pesquisa? Para responder essa pergunta, realizamos uma análise que permite estimar a probabilidade de que indivíduos com certas características respondam afirmativamente quando questionados se desconfiam que recebem notícias falsas.
As variáveis explicativas escolhidas para o modelo foram: idade (tratada de forma contínua); escolaridade (binária para universitários); renda (binária para acima de cinco salários mínimos); sexo (binária para homens); quem afirmou utilizar redes sociais para se informar sobre política; região (tratada de forma categórica tendo como referência a região Sudeste); e, por último, autoidentificação ideológica (tratada como categórica e tendo como referência aqueles que não souberam responder à pergunta).
A Figura 1 mostra os resultados da análise da análise de regressão logística. No gráfico estão as razões de chance com os seus respectivos intervalos de confiança (95%) para cada variável. São significantes as variáveis cujo intervalo de confiança não cruza a linha do valor 1.
O resultado aponta que renda não é significante, ou seja, a situação econômica não parece ser relevante para entender por quê se desconfia ou não do recebimento de notícias falsas. Idade também não é uma variável importante. Por outro lado, os dados mostram que homens, aqueles que têm ensino superior e quem utiliza redes sociais para se informar sobre política têm maior probabilidade de desconfiar que recebem notícias falsas. Em relação à localização geográfica, apenas a região norte é estatisticamente significante e positiva.
O resultado que mais chama a atenção, no entanto, é aquele que se refere à autoidentificação ideológica. O resultado da análise mostra que nos polos ideológicos há uma maior chance de desconfiar do recebimento de notícias falsas. O destaque fica para aqueles que se situaram no extremo direito da escala ideológica: para estes, a chance de desconfiar do recebimento de notícias falsas é bem maior do que para aqueles não autoidentificados ideologicamente.
Não podemos concluir, no entanto, que aqueles situados mais à direita do espectro ideológico sejam os mais conscientes do fenômeno de disseminação de notícias falsas. Pesquisas realizadas nos Estados Unidos mostram que, paradoxalmente, aqueles mais desconfiados das notícias que recebem são também os maiores alvos da indústria de produção de notícias falsas. O mesmo estudo que avaliou que um em cada quatro americanos acessou sites de notícias falsas, identificou que a maior parte das visitas a essas páginas foi feita por eleitores conservadores (e que votaram em Donald Trump) (Guess et al 2018). Esse viés pró-Trump das notícias falsas foi corroborado por outro estudo, mostrando que as notícias falsas mais discutidas eram favoráveis àquele candidato (Silverman 2016). Ao mesmo tempo, tais eleitores declararam desconfiar mais dos meios de comunicação tradicionais (Allcott e Gentzkow 2017: 216).
Conclusão
Os dados da pesquisa permitem afirmar que quem possui uma forte identificação ideológica tende a desconfiar mais das informações recebidas na rede. Esse resultado levanta hipóteses a serem investigadas: seriam diferentes os canais /mensagens que os extremos da posição ideológica identificam como emissores de notícias falsas? Se não, há algum consenso mínimo sobre a desconfiança em relação a grandes conglomerados de mídia? Se forem diferentes, há algum padrão que possa ajudar na identificação das razões da desconfiança, para além de uma possível discordância ideológica? Ou a desconfiança das notícias seria fruto de uma genuína capacidade crítica de melhor se informar?
Sejam quais forem as respostas a essas perguntas, a distância entre a percepção dos entrevistados sobre recebimento de notícias falsas e a ampla disseminação do fenômeno, a poucos meses da eleição presidencial de 2018, mostra que a conscientização de eleitores é um enorme desafio, tanto para candidatos(as) como para autoridades eleitorais. A Internet pode e deve servir como instrumento para aprimorar a democracia, mas, para que cumpra com esse potencial democratizador, é preciso combater as estratégias de manipulação, distorção e polarização que vêm sendo amplamente utilizadas. A disseminação de notícias falsas não é a única dessas estratégias, mas certamente é das mais importantes.
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[1] Marisa von Bülow é professora adjunta do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília e coordenadora do grupo de pesquisa Repensando as Relações entre Estado e Sociedade (Resocie). Max Stabile é doutorando do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília e diretor-executivo do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (IBPAD).
Referências
Allcott, Hunt e Matthew Gentzkow. 2017. Social Media and Fake News in the 2016 Election. Journal of Economic Perspectives 31(2): 211-236.
FGV/DAPP. 2017. “Robôs, redes sociais e política no Brasil: estudo sobre interferências ilegítimas no debate público na web, riscos à democracia e processo eleitoral de 2018”, Rio de Janeiro.
Guess, Andrew, Brendan Nyhan e Jason Reifler. 2018. “Selective Exposure to Misinformation: Evidence from the consumption of fake news during the 2016 U.S. presidential campaign”, January 9, disponível em: http://www.dartmouth.edu/~nyhan/fake-news-2016.pdf
Silverman, Craig. 2016. “This Analysis Shows how Fake Election News Stories Outperformed Real News on Facebook.” BuzzFeed News, November 16.
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