As reações de brasileiros e brasileiras à pandemia (e um breve olhar de gênero)
Priscila D. Carvalho e Victoria Frois
A pesquisa A Cara da Democracia no Brasil, em 2020, incluiu uma bateria de perguntas sobre a pandemia do COVID-19. As questões trataram de mudanças na rotina e adesão à quarentena, da avaliação da resposta do presidente ao novo coronavírus, avaliação do SUS e, por fim, sobre responsabilidades de governadores, prefeitos e governo federal na pandemia. Foram entrevistadas mil pessoas, 47,5% homens e 52,5% mulheres, no início de junho.[1]
Apenas 3,7% dos brasileiros mantiveram sua rotina inalterada desde que estados e municípios passaram a adotar medidas de distanciamento social. Entre os que mudaram o cotidiano, praticamente a metade está “tomando cuidado, mas sai de casa para trabalhar e fazer outras atividades”, enquanto outros 37,4% só saem de casa quando é inevitável. Por fim, 9,3% das pessoas não estavam saindo de casa até o período da pesquisa.
Separados por sexo, os dados indicam que as mulheres têm respondido ao vírus com maior adesão à quarentena - entre as mulheres, 56,6% só saem de casa quando inevitável ou não saem de casa, enquanto 35,8% entre os homens adotam a mesma atitude. No mesmo sentido, a maior parte dos homens toma cuidado, mas continua saindo de casa para trabalho e outra atividades (59,2%) enquanto, entre as mulheres, o número é 18% menor, ficando na casa dos 41%. A diferença nos dados indica que a reação à quarentena é atravessada por papéis de gênero e que, ao que tudo indica, as mulheres estão se mostrando mais preocupadas com o desafio que a pandemia coloca à saúde do que os homens.
Buscando entender que fatores influenciam a adesão à quarentena, para este relatório cruzamos os dados das questões sobre como as pessoas estão se comportando em relação ao isolamento social, avaliações do governo Bolsonaro e tipo de trabalho.
Há correlação entre a avaliação do governo Bolsonaro e a adesão à quarentena. Pessoas que avaliam o governo como Ótimo ou Bom aderiram menos às restrições no convívio social do que aquelas que avaliam o governo como Ruim ou Péssimo. Entre os primeiros, 63.9% afirmaram estar tomando cuidados, mas saindo para trabalhar ou estão vivendo normalmente. Ao contrário, pessoas mais críticas ao governo se mostraram mais preocupadas com a pandemia do coronavírus e tendem a evitar mais sair de casa: entre os que consideram o governo Ruim ou Péssimo, uma maioria de 54.6% afirmou só sair de casa se for inevitável ou estarem totalmente isoladas.
A avaliação do governo Bolsonaro é estatisticamente importante para a adesão ao isolamento social entre os homens, mas não entre as mulheres, o que reforça a percepção de que gênero importa para as reações à pandemia. Entre os homens, 77.3% daqueles que avaliam o governo como Ótimo/Bom estão vivendo normalmente ou tomando cuidado mas seguindo com atividades. A porcentagem desce para 55.2% entre os que avaliam o governo como ruim/péssimo. Essa informação reforça aquilo que se viu no Brasil durante as eleições de 2018, de uma maior dificuldade para o então candidato Jair Bolsonaro estabelecer apoios entre as mulheres - a tendência vem sendo mantida durante o governo.
Outro dado que apresenta a relevância para explicar a adesão à quarentena é a idade. A pesquisa aponta que a metade mais jovem da amostra (menos de 40 anos) respeita menos a quarentena: 61.8% desse grupo diz estar tomando cuidado, mas ainda saindo de casa ou vivendo normalmente. Entre a parcela com mais de 40 anos, 55.2% afirma estar saindo de casa só quando é inevitável ou está totalmente isolado.
Por fim, para analisar a situação de trabalho e a adesão à quarentena, foram criadas quatro categorias: assalariados (agregando pessoas com renda mensal estável), autônomos e profissionais liberais (com renda flutuante), desempregados e outros (estudantes, aprendizes, donas de casa). De fato, como se esperaria, pessoas desempregadas e pessoas que já trabalham em casa ou estudantes evitam mais sair:60% entre desempregados e 81% dos estudantes, aprendizes, donas de casa estão entre os que só saem de casa quando é inevitável ou não saem. Por outro lado, ao analisar as categorias de assalariados e autônomos, vemos que nestes últimos se concentra a maior porcentagem de pessoas mantendo a rotina ou tomando cuidado, más saindo de casa.
Assim sendo, 65% dos trabalhadores autônomos contínua saindo para trabalhar e realizar outras atividades, enquanto essa porcentagem cai para 58% entre os assalariados. O que os dados nos permitem dizer é que a situação de trabalho importa, porém, não é suficiente para explicar, por si só, a adesão à quarentena pelas pessoas, pois entre os que têm trabalho assalariado o número é razoavelmente próximo - chega a 58%.
Ação do poder público: apoio ao SUS e crítica à reação do presidente
Outro tema pesquisado foi o impacto da pandemia na avaliação do Sistema Único de Saúde. As respostas apontam que um total expressivo de 61,2% da população brasileira entende que a pandemia mostra a importância do SUS e justificaria aumento de seu financiamento. Outros 18,6% entendem que o SUS se sai bem e não se justifica aumentar financiamento, enquanto 14,6% preferiram a opção segundo a qual o SUS se sai mal e sua continuidade deveria ser discutida.
Na pergunta sobre como a população avaliou a reação do presidente da República, tem-se que cerca de 69% dos brasileiros entendem que o presidente deu pouca importância ao novo coronavírus: 54,7% concordam muito com a afirmação e 14,4% concordam pouco. Apenas 21,4% discordam da afirmação. Para essa questão, o gênero não mostrou relevância estatística.
A premência da ação do poder público tem levado a uma revalorização das políticas públicas em geral e, em especial, das políticas em saúde. Associada a uma percepção negativa da reação do presidente, esse posicionamento em relação às políticas públicas de saúde ajuda a explicar a queda de popularidade do governo bolsonaro, também identificada pela pesquisa (como pode ser ver no texto Destrinchando a avaliação do governo Bolsonaro, de Carlos Ranulfo Melo, ou no recém-lançado livro Política e Antipolítica: a crise do governo Bolsonaro, de Leonardo Avritzer. Ambos são professores da UFMG)
Governadores
Por fim, a questão sobre quem deve para adotar medidas sobre o coronavírus indica que significativa maioria dos brasileiros, 67,7%, concordam que governadores e prefeitos devem ter autonomia para atuar na área.
[1] As entrevistas foram realizadas por telefone entre 30/05/2020 e 05/06/2020, com margem de erro de 3.1%. O intervalo de confiança é de 95%.
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